sexta-feira, 24 de julho de 2015

Isto É Gestalt II



Fonte: John O. Stevens - Isto é Gestalt (livro)

"O objetivo deste livro é mostrar como se pode aumentar o contato com a realidade interior e exterior, e diminuir a preocupação com a atividade de fantasia que impede seu contato com a experiência. 
Fantasia pode ser útil, mas só se for assumida com consciência, e integrada na experienciação da realidade no presente.

Por exemplo: durante vários meses um estudante gastou muito tempo imaginando que ia pedir uma garota em namoro. Em preocupação infrutífera com a fantasia provocou o desperdício de boa parte de sua vida. 
Se ele tivesse realmente usado a fantasia, poderia ter percebido que, embora inútil como fantasia, pedi-la em namoro poderia ser útil na realidade. 
Se ele realmente a pede em namoro, ou ela diz que sim e prosseguem o relacionamento, ou diz que não e ele pode olhar para outra garota que seja mais receptiva. 
Em ambos os casos a vida continua em vez de estagnar numa fantasia irreal. 
Quem sabe quantas outras garotas disponíveis poderiam ter se aproximado dele, enquanto estava preocupado com sua fantasia?

Naturalmente, se ele a pede em namoro, corre o risco de rejeição, no caso de ela dizer não, ou o risco de uma íntima relação pessoal no caso de ela dizer sim. 
Ele evita se confrontar com a situação e assim esta permanece incompleta. 
É uma típica situação de conflito. 
Sua necessidade num sentido é contrariada por outra necessidade no sentido oposto: seu desejo de estar perto dela é contrariado pelo seu medo de proximidade ou rejeição. 
Entretanto, há uma diferença básica entre estas duas necessidades. 
Seu desejo de estar perto dela é, em parte, reação à presença dela agora, e ele pode, provavelmente, sentir esta reação, claramente no seu próprio corpo. 
Seus temores constituem reação a sua fantasia sobre o futuro e o que imagina que possa ocorrer se disser que gosta dela e a pedir em namoro. 
Sua fantasia do futuro mata sua expressão no presente. 

A solução para este tipo de situação é ele perceber que seus receios são fantasias e em seguida perceber que estas são as fantasias dele: expressam muito mais a respeito dele mesmo do que sobre a garota, e são de responsabilidade toda dele mesmo. 
Por exemplo, se sua fantasia é de rejeição, precisa perceber que é ele próprio que se rejeita, e não a garota. 
Nem dá chance a ela para rejeitá-lo! 
Ele mesmo o faz mas sem perceber. 
Aliena a sua própria rejeição e imagina que a garota vai rejeitá-lo. 
Se puder se tornar realmente consciente desta parte de si mesmo que é rejeitada, identificando-se com ela, poderá se libertar de suas fantasias catastróficas e estará livre para se manifestar. 
Com consciência, suas fantasias podem apoiar a sua vida em vez de paralisá-la."





Intenção Paradoxal





Viktor Frankl - Em Busca de Sentido (livro)

"Ironicamente, da mesma forma que o medo faz acontecer aquilo de que se tem medo, uma intenção forçada torna impossível aquilo que se deseja muito. 
Essa intenção excessiva, ou "hiper-intenção, como eu chamaria, pode ser observada particularmente em casos de neurose sexual. 
Quanto mais o homem procura mostrar sua potência sexual, ou quanto mais a mulher tenta mostrar sua capacidade de experimentar o orgasmo, menos chances de sucesso terão. 
Prazer é e deve permanecer um efeito colateral ou produto secundário; ele será anulado e comprometido à medida que dele se fizer um objetivo em si mesmo.

A logoterapia baseia sua técnica denominada "intenção paradoxal" no fato duplo de que o medo produz aquilo de que temos medo e de que a intenção excessiva impossibilita o que desejamos. 
Nessa abordagem, o paciente que sofre de fobia é convidado a intencionar precisamente aquilo que teme, mesmo que apenas por um momento.

Vou lembrar um caso. 
Um jovem médico me consultou por causa de seu medo de transpirar. 
Sempre que ele esperava uma emissão de suor, essa ansiedade antecipatória já era suficiente para precipitar a transpiração excessiva. 
Com a finalidade de romper esse círculo vicioso, aconselhei o paciente a que, quando voltasse essa transpiração, deliberadamente mostrasse às pessoas o quanto ele conseguia suar. 
Uma semana depois, ele voltou, relatando que, sempre que encontrava alguém que nele provocava ansiedade antecipatória, dizia para si mesmo: "Antes eu só conseguia suar um litro, mas agora eu vou despejar pelo menos dez litros!" 
O resultado foi que, depois de sofrer dessa fobia durante quatro anos, com uma única sessão ele foi capaz de se libertar da mesma, permanentemente, em questão de uma semana.

O leitor perceberá que esse procedimento consiste numa inversão da atitude do paciente, uma vez que seu temor é substituído por um desejo paradoxal. Através desse tratamento tira-se o vento das velas da ansiedade.
Semelhante procedimento, entretanto, precisa fazer uso da capacidade especificamente humana do autodistanciamento, inerente ao senso de humor. 
Essa capacidade básica da pessoa distanciar-se de si mesma entra em ação sempre que se aplica a técnica logoterápica chamada "intenção paradoxal". Ao mesmo tempo, o paciente é capacitado a se colocar numa posição distanciada de sua própria neurose.
"O neurótico que aprende a rir de si mesmo pode estar a caminho da autodireção, talvez da cura". 
A intenção paradoxal é a validação empírica e aplicação clínica da afirmação de Allport.

A intenção paradoxal também é aplicável em casos de distúrbio do sono. 
O medo de insônia resulta numa hiper-intenção de pegar no sono, o que, por sua vez, incapacita o paciente de conseguí-lo. 
Para superar esse medo em particular, costumo aconselhar o paciente a não tentar dormir, mas antes fazer justamente o contrário, ou seja, ficar acordado o quanto possível. 
Em outras palavras, a hiper-intenção de adormecer, oriunda da ansiedade antecipatória de não conseguir fazê-lo, precisa ser substituída pela intenção paradoxal de não pegar no sono, o que logo será sucedido pelo sono.

Assim que o paciente para de combater suas obsessões, procurando ridicularizá-las, tratando-as com atitude irônica, aplicando a intenção paradoxal, interrompe-se o círculo vicioso. 
O sintoma diminui e acaba atrofiando. 
Nos felizes casos em que não houver um vazio existencial propiciando o sintoma e convidando-o a se instalar, o paciente não só conseguirá ridicularizar seu sintoma neurótico, mas, por fim, conseguirá ignorá-lo completamente."