sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Meditação: O Globo de Neve

 

É comum no Taoísmo falar-se da importância da Não-Ação, assim como é comum no Zen falar-se da importância da Não-Mente.
Aparentemente, essas religiões orientais têm um foco "negativo" e precisamos entender profundamente o porquê.

Imagine o seguinte:
Você está dirigindo e o carro que estava a sua esquerda, entra na tua faixa sem dar a seta e bate a frente do teu carro.
O teu primeiro impulso é ficar puto com a situação e querer sair do carro para quebrar a cara desse filho da puta.
Mas daí você pensa:
"O que quero realmente?"
Sair do carro, quebrar a cara dele e possivelmente ser processado por agressão, tendo talvez que pagar a ele uma indenização até maior que o estrago feito no teu carro?
Ou sair do carro, ter uma conversa sensata, resolver o problema, seguir com o teu percurso e continuar com o resto da tua vida?

Espero que numa situação como essas você escolha a segunda opção, ainda que tenha total liberdade para escolher a primeira e arcar com as consequências...
Mas a moral da história é que, no mundo externo, você precisa fazer uso da MENTE e da AÇÃO, alterando o teu pensamento e comportamento de forma inteligente e, consequentemente, obtendo as respostas ou resultados que você deseja receber de determinada situação.

Agora, pegue tudo isso que falamos e esqueça completamente quando estiver se dedicando à MEDITAÇÃO.
Toda ação que você aprendeu no mundo externo é totalmente desnecessária e contra-produtiva quando você estiver interessado em adentrar no teu mundo interior.
E essa é uma das causas principais de as pessoas não se darem bem com a meditação: a tentativa de trazer os hábitos e aprendizagens do mundo exterior para o mundo interno...

Pense no seguinte:
Você ganhou um globo de neve.
Mas há tanta "neve" dentro desse globo, que quando você o agita, ela se espalha e fica totalmente impossível de se ver o que há dentro do globo.
O que você deve fazer nesse tipo de situação?
Praticar a ação, agitar o globo com toda a força que te for possível e torcer para que um dia você consiga enxergar o que há dentro dele?
Ou praticar a NÃO-AÇÃO, párar de agitar o globo e esperar que a "neve" vagarosamente perca força e comece a se acomodar no fundo do globo?

Se quiser realmente enxergar o que há dentro do globo de neve, é bastante óbvio o que se deve fazer...
Mas você entende do que estamos falando?
Percebe que quando se fala de meditação, você é o globo de neve?
Cada vez que você está sentado, tentando meditar, tentando ficar concentrado... e surge um pensamento em tua mente, que rouba a tua atenção, te faz embarcar numa mini-viagem e te faz perder a concentração... como você reage?
A maioria dos iniciantes têm uma tendência a reagir com algum grau de insatisfação ou frustração.
Você reage da mesma forma?

Esqueça isso... tanto a concentração quanto a desconcentração são desnecessárias na meditação.
E isso porque ambas são funções da mente e meditação não é uma prática para a mente, mas sim para a NÃO-MENTE, que a princípio é propositalmente párar de CRIAR ou INCENTIVAR pensamentos.
Faça um teste:
Sente-se confortavelmente, não se mexa e experimente passar 5 minutos totalmente DESCONCENTRADO.
Se você tentar, algo curioso vai acontecer: você vai acabar se concentrando em alguma coisa!

Na meditação, não importa se você está concentrado ou desconcentrado.
O que importa é que você "pratique" a não-ação e a não-mente.
Isso significa que você deve esquecer toda a atividade física e ficar imóvel, assim como esquecer toda a atividade mental e deixar de produzir pensamentos (inclusive a concepção "estou concentrado" versus "estou desconcentrado" porque isso é apenas pensamento). 

Lembre novamente do globo de neve.
O objetivo do globo não é que você o resolva como um quebra-cabeças ou altere alguma coisa dentro dele.
O globo já é perfeito: ele é exatamente como deveria ser, nenhuma mudança é necessária, a questão é se você ENXERGA o que há dentro dele ou não.

E com você, acontece algo análogo.
Sua missão na meditação não é alterar os teus pensamentos e nem estar concentrado.
Sua missão, em termos budistas, é ser um OBSERVADOR ou ser uma TESTEMUNHA de si mesmo.
É permitir que todo o movimento que existe na tua mente, todo o caos gerado pelo teu pensamento, simplesmente pare de ser produzido através da não-mente, de forma que, como a neve do globo, os teus pensamentos comecem a perder força ao ponto de serem "dissolvidos"... toda a produção interna de imagens, todo o diálogo interno, tão necessários no mundo externo, precisam cessar durante a viagem para o interior... então, aquela densidade que parecia constituir os pensamentos vai aos poucos tornando-se cada vez mais sutil e desaparecendo gradativamente... até chegar ao ponto que você possa enxergar com todo esplendor o que há de fato no teu interior...

E então?
Você está pronto?

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