terça-feira, 19 de julho de 2016

Sobre O Sentimento II


Hoje eu gostaria de dar continuidade ao texto que escrevi recentemente "Sobre o Sentimento".
Se você ainda não o leu, recomendo que leia antes de prosseguir.

Começarei te colocando na seguinte situação: como você se sente quando alguém te chama de filho da puta?
Mas antes de adentrarmos nessa questão, vamos fazer uma pequena introdução a um tema que precisa ser entendido primeiro.

Você já assistiu a série Lie to Me?
O protagonista Cal Lightman é capaz de interrogar uma pessoa e enxergar as emoções que se manifestam no rosto dela, podendo então distinguir se ela está mentindo ou falando a verdade. O mais curioso é que a série foi inspirada no trabalho de um psicólogo norte-americano que existe na vida real chamado Paul Ekman, que escreveu um livro bem interessante lançado no Brasil com o título A Linguagem das Emoções, onde explica como reconhecer as 7 emoções básicas do ser humano observando a fisionomia das pessoas.

Agora, lembremos do filósofo e psicólogo também norte-americano chamado William James. Talvez você já tenha ouvido sua famosa frase: "O pássaro não canta porque está feliz, mas sim está feliz porque canta". James tinha o pensamento de que não há como estabelecer o que vem primeiro: a emoção externalizada no corpo ou a sensação experimentada internamente. Por exemplo: você se sente triste e depois chora, ou você chora e então se sente triste? Ambos são verdadeiros! Você pode fazer o teste agora mesmo e começar a chorar que logo você vai se sentir triste... assim como pode lembrar de uma situação em que se sentiu triste e depois começou a chorar...

A moral da história que podemos aprender com Ekman e James é que existe uma relação direta entre mente-corpo e corpo-mente... um acompanha o outro. Você ou o pássaro pode estar feliz e começar a cantar ou pode propositalmente cantar para então começar a se sentir feliz. Até o Tyler da RSD tira proveito desse conhecimento e força a fisiologia para colocar sua mente num estado mais construtivo para realizar abordagens (https://www.youtube.com/watch?v=2IHIseNLvjs).

Visto que entendemos esta introdução sobre a relação mente-corpo/corpo-mente, voltemos para a pergunta inicial: "como você se sente quando alguém te chama de filho da puta?".

A partir de agora, devo destacar que não falarei de ideias que foram criadas por mim, mas sim de ideias que peguei emprestadas do Zen, de Osho, da Gestalt-Terapia de Frederick Perls e que venho aplicando a mim mesmo no meu cotidiano. Espero que possa acompanhar como aplicá-las.

Pois bem... o mais comum que pode acontecer a uma pessoa quando ela é chamada de "filho da puta" é:
1 - se sentir ofendido;
2 - tacar o foda-se e ignorar; ou reagir verbalmente e ofender quem a ofendeu;
3 - perder a cabeça e tentar matar quem lhe chamou de filho da puta...

Vamos começar pelo começo e colocar a situação num microscópio para enxergá-la da forma mais precisa possível:
Ao ser chamada de "filho da puta", a pessoa se sente ofendida.

Mas o que seria sentir-se ofendido?
A pessoa se sente ofendida na mente ou no corpo?
A ofensa está no pensamento ou é uma sensação?

Peço que reflita sobre isso antes de prosseguir com o texto.
Considere o que comentamos a respeito de Ekman e James, imagine a si mesmo na situação.
Quando você se sente ofendido, onde você experimenta essa ofensa?

Refletiu?
Se ainda não, reflita!

Bom... vou continuar com o texto.
Espero que não esteja me enganando e tenha refletido mesmo, haha.
Espero que tenha sua própria resposta para que possamos compará-las.

Então...
Eu não cheguei a estudar um número significativo de pessoas para afirmar com certeza se a ofensa começa na mente ou no corpo delas...
Eu apenas tenho estudado e observado a mim mesmo, por isso falarei o que acontece comigo:
Quando alguém me ofende, percebo que a ofensa começa primeiro na minha mente e em seguida, espalha-se pelo meu corpo, geralmente, sinto uma tensão no rosto (principalmente na testa) e um desconforto na região do peito ou do estômago.

E por que é importante saber disso?
A Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia "herdeira" do Zen.
Frederick Perls, seu principal representante, emprestou algumas ideias do Zen para compor sua teoria.
E uma dessas ideias consiste justamente em "ir até a fonte".

Se você for uma pessoa interessada pelo auto-conhecimento e está numa situação onde alguém te ofende, você pode escolher entre dirigir sua atenção para fora ou para dentro, para o outro ou para si mesmo.
Se você dirige a atenção para o outro, você se perde.
Se você dirige sua atenção para si mesmo, existe a possibilidade de você se encontrar.

Experimente: quando alguém tenta te ofender, pergunte-se "como estou me sentindo agora?" e observe.
Se você se sentir ofendido, pergunte-se "onde estou me sentindo ofendido?".
E apenas observe o teu corpo, vá até a própria fonte da ofensa, sinta onde ela realmente está e torne-se realmente íntimo dessa sensação.

No começo, será desconfortável.
O mais comum é que a gente sinta bastante resistência em lidar com nossos sentimentos diretamente.
Muitas pessoas têm grande dificuldade em descrever e reconhecer o que sentem...
Por isso, está é uma prática que exige uma grande dedicação, uma grande disciplina e uma enorme vontade de conhecer a si mesmo.

Mas para os que realmente tenham interesse, pode ser que algo interessante comece a acontecer.
A nossa consciência tem uma capacidade de "dissolução", de ser transformadora, de ser alquímica.
Aqueles sentimentos que normalmente nos geram repulsa e desconforto podem ser dissolvidos pela consciência quando observados.
E quando esses sentimentos se dissolvem... uma transformação acontece.
A energia que era investida nesses sentimentos, que se manifestavam em forma de tensão ou desconforto em nossos corpos, agora pode ser liberada e usada de outra forma.
A energia começa a fluir livremente e a existir de um modo natural, sutil, integrado.

E quando isso acontece, você se liberta.
Da próxima vez que alguém te chamar de "filho da puta", pode ser que você sinta-se ofendido na mente, mas começa a deixar de sentir a ofensa no corpo.
E com um pouco mais de prática e auto-conhecimento, pode ser que você deixe de sentir a ofensa inclusive na sua mente...
E se não houver ofensa nem no corpo, nem na mente... quem estará ofendido?

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